Last and First Men é um documentário de 70 minutos originalmente criado por Jóhann Jóhannsson como acompanhamento para suas performances. Durante a Berlin Film Festival de 2020, eu tive o prazer de estar presente durante a premiere internacional do filme e posso dizer que Last and First Men não é aquilo que eu estava esperando mesmo sabendo o que esperar desse filme.
Sou fã do trabalho musical de Jóhann Jóhannsson há alguns anos, culpa das suas trilhas sonoras e do seu trabalho experimental. Mas eu não conhecia esse lado cinematográfico do compositor islandês. Então, quando aprendi que, depois da sua morte em 2018, ele havia deixado um material visual em vídeo inacabado, fiquei curioso com o que poderia ser feito com isso. Foi ai que entrou o trabalho do produtor islandês Thor Sigurjonsson e do cinematografo norueguês Sturla Brandth Grøvlen que organizaram todo o material, terminaram de editar o que era possível e colocaram esse projeto para o mundo ver. E que filme fenomenal que é Last and First Men.
“Two billion years ahead of us, a future race of humans finds itself on the verge of extinction. Almost all that is left in the world are lone and surreal monuments, beaming their message into the wilderness.”
A frase acima vem direto do livro de Olaf Stapledon conhecido em inglês como Last and First Men: A Story of the Near and Far Future. Esse livro é a base do filme e a narração do filme vem direto de lá, pela voz de Tilda Swinton. Lá, ela fala sobre esses últimos homens, pessoas do futuro que estão tentando se comunicar com a gente, no presente. Eles querem nos ensinar sobre a vida, sobre os cosmos, nosso sistema solar e, principalmente, sobre o tempo. Eles acreditam que, ao ajudar a gente, eles serão ajudados de volta.
Last and First Men vem com uma análise existencial hipnótica que se mistura com a narração filosófica e com a cinematografia em preto e branco e cria algo fora do comum. Algo que fica ainda mais interessante quando você coloca a trilha sonora de Jóhann Jóhannsson de fundo. O filme se transforma em uma experiência quase transcendental.
Um dos destaques visuais do filme é o cenário onde tudo acontece. As paisagens abstratas que existem no Last and First Men são objetos e memoriais que foram construídos na antiga Yugoslávia depois da Segunda Guerra Mundial. O visual desses monumentos é de um modernismo socialista que é quase alienígena nos tempos de hoje e ajudam a passar um lado atemporal para todo o filme. Com as imagens desses Spomeniks, como são conhecidos esses memoriais nos países que faziam parte da Yugoslávia, você passa a perceber que o tempo não é mais importante. Nada é mais importante do que observar esses monumentos, esculturas de um tempo que não existe mais. E, em conexão com a narração, vemos objetos criados por homens, abandonados a milhões de anos, em referência a uma raça humana que não existe mais.
Além do cenário, um outro elementos que me chamou muito a atenção no filme é a forma com a qual Sturla Brandth Grøvlen trabalha com uma filmagem cheia de uma granulação tão pesada que é quase possível sentir os milhares de pequenos pontos na tela. Esses minúsculos pontos fazem parte da experiência que é Last and First Men.
Um elemento que não pode ser ignorado aqui é a música de Jóhann Jóhannsson, que é todo o esqueleto dessa experiência quase espiritual que é Last and First Men. Composta em parceria com Yair Elazar Glotman, a trilha sonora do filme vem com alguns elementos tradicionais da música de Jóhann Jóhannsson como o uso pesado de instrumentos de corda e de corais com vozes quase angelicais. Essa música foi tão impactante para mim que eu sai da sessão de cinema procurando onde e como que eu poderia adquirir um disco com aquilo que eu tinha acabado de escutar.
Resumindo, Last and First Men é um filme peculiar, uma experiência cinematográfica que não acontece todos os dias. Um filme de pouco mais de uma hora que pode ser considerado uma forma de esquecer sobre a vida, o tempo e os limites da experiência humana. Uma pena que nunca veremos o filme que Jóhann Jóhannsson poderia ter feito mas o que eu assisti durante a Berlinale foi muito mais do que eu esperava e eu sei que seu cinema vai viver para sempre, muito além da nossa visão como raça humana.
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